FRÁGIL Nascente exposta a agressões em Joanópolis, São Paulo. Essas áreas precisam ser reflorestadas (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA)

A diminuição da mata nos mananciais e a lição da seca em São Paulo

A cobertura vegetal de mananciais em São Paulo é ainda menor do que se imaginava. O que nos ensina a seca paulista

FRÁGIL Nascente exposta a agressões em Joanópolis, São Paulo. Essas áreas precisam ser reflorestadas (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA)

A cidade de Extrema, no sul de Minas Gerais, enfrenta a mesma situação de seca que São Paulo. Só que, enquanto nascentes paulistas se esgotam, Extrema não corre risco de racionamento. A água brota, mesmo sob forte estiagem, graças a um programa de reflorestamento. A cidade mostra quanto a floresta importa para o abastecimento de água. Projetos que usem Extrema como referência poderão suavizar os efeitos das estiagens em todo o país. Infelizmente, a cidade mineira é um caso isolado. Um levantamento feito pela Fundação SOS Mata Atlântica, divulgado com exclusividade por ÉPOCA, mostra que as florestas da região da Cantareira, de onde sai a água que abastece São Paulo, estão muito mais desmatadas do que se imaginava. Isso causa impacto no abastecimento de água.

A crise de falta de água em São Paulo é também uma crise ambiental. A floresta tem o papel de extrair umidade do ar e levá-la aos mananciais. Ela também impede deslizamentos de terra e evita o assoreamento dos rios. Quando o entorno de um rio é desmatado, o solo empobrece, e o rio seca. Os efeitos não acontecem imediatamente após o desmate. Quando chegam, podem levar ao colapso – situação que ameaça o Sistema Cantareira. A crise piorou nos meses de seca, e os reservatórios estão com menos de 8% do volume total. O governo paulista teve de anunciar, pela segunda vez em quatro meses, que faz obras para captar água das represas numa profundidade antes considerada apenas reserva, ou “volume morto”.

O estudo da SOS Mata Atlântica, com imagens de satélite de alta definição, constatou que sobraram 21% de cobertura florestal na região da Cantareira. Antes, acreditava-se que a percentagem de cobertura florestal era de 30%. Para piorar, a cobertura remanescente tem menor capacidade de prestar serviços ambientais (como repor água nos rios e abrigar animais), pois está espalhada em “ilhas” em meio a pastos, terras degradadas e produção de cana e eucalipto. Em alguns municípios, a cobertura florestal é ainda menor. Em Itapeva, no sul de Minas, restam apenas 7,9% de floresta preservada. Municípios paulistas como Piracaia, Vargem e Joanópolis preservaram menos de 18% das matas. “A destruição da mata fez com que a água de São Paulo perdesse em qualidade e quantidade. Isso contribui com a atual situação de escassez”, diz Marcia Hirota, da SOS Mata Atlântica.

Não há mais grandes desmatamentos ilegais na região, segundo o estudo. A cobertura remanescente conta com proteção ou está em locais pouco acessíveis para a agricultura, como topo de morros. O desafio não é evitar novos desmatamentos, mas recompor a mata em áreas importantes para o abastecimento de água, como nascentes e córregos. Pela legislação atual, pelo menos 15 metros de cada margem de um córrego precisam estar cobertos com mata – faixa conhecida como Área de Preservação Permanente (APP). Com a crise da água, a largura das APPs passou para 30 metros a partir da margem. Poucos proprietários se dedicam a reflorestar. O trabalho é caro e exige algum tipo de incentivo do poder público. Segundo a Secretaria Estadual do Meio Ambiente de São Paulo, a Mata Atlântica se regenera no Estado. Pelos números do governo, a cobertura florestal em todo o Estado era de 13% na década de 1990, e hoje está em 17,5%. Segundo a secretaria, um programa prevê ajuda financeira a pequenos produtores que desejam restaurar a mata ciliar e outro, em estágio de testes, paga produtores para preservar nascentes em vários municípios, como Piracaia, na região da Cantareira.

Conservar as matas para manter o abastecimento de água nas cidades não é uma invenção de Extrema. A Organização para Alimentação e Agricultura (FAO) das Nações Unidas recomenda que áreas-chave para o abastecimento, como nascentes de rios, sofram “alteração mínima”. Um estudo recente do Instituto de Recursos Globais (WRI, na sigla em inglês) mostra casos de sucesso de cidades que enfrentaram o problema. Bogotá, capital da Colômbia, criou um programa para conservar a floresta tropical andina, de onde sai água para abastecer 8 milhões de pessoas. O caso mais famoso é Nova York. Nos anos 1990, a prefeitura da cidade resolveu investir em “infraestrutura verde” (preservação de nascentes), e não apenas em “infraestrutura cinza” (como reservatórios e estações de tratamento). A estratégia se mostrou relativamente barata e garantiu água de boa qualidade. Os governantes brasileiros deveriam deixar presente semelhante para as próximas gerações.

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