Artigo por Emerson Antonio de Oliveira
Coordenador de Ciência e Informação
Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza
Embora envolto aos últimos dias de campanha eleitoral para o segundo turno da eleição presidencial, uma das mais disputadas e acaloradas desde a redemocratização do Brasil, em 13 de outubro de 2014, através de Decreto Presidencial s/n., o Governo Federal criou o Parque Nacional de Guaricana, em parte dos municípios de Guaratuba, Morretes e São José dos Pinhais, na Serra do Mar paranaense, incluindo parte da Região Metropolitana de Curitiba e algumas áreas nas proximidades da Planície Litorânea do Paraná.
A área total aproximada do Parque Nacional perfaz 49.300 hectares, ou seja, é cerca de 5.000 hectares maior que toda a área do município de Curitiba, capital do Paraná, metrópole do Sul do Brasil cuja região central se localiza a pouco mais de 30 quilômetros dos limites da nova Unidade de Conservação, através da Rodovia BR 277 que liga Curitiba ao terminal marítimo de Paranaguá (Figura 01).
A sua localização, portanto, é estratégica em função da facilidade de acesso para o uso público controlado da área, um dos objetivos principais de um Parque Nacional, além da preservação da riquíssima biodiversidade local, uma vez que se encontra no cerne do maior fragmento contínuo de floresta densa atlântica do Brasil, conhecido regionalmente por Lagamar, que se estende do Sul do litoral paulista até o norte de Santa Catarina.
Contribuem para a elevada riqueza biológica da área a sua variação altitudinal, partindo de cerca de 30 m sobre o nível do mar, nas proximidades da foz do rio São João, aos fundos da Baía de Guaratuba, até cerca de 1.300 m nas serras da Igreja e das Canavieiras; além da transição geológica, de solos e de formações vegetais que ocorrem ao longo das diferentes altitudes, dentre as quais as formações submontana, montana e alto-montada da Floresta Ombrófila Densa, de sua área de transição (ecótono) com a floresta com araucárias (Ombrófila Mista) e de Refúgios Montanos e Altomontanos (campos de altitude e vegetação rupestre) – Foto 01. Essas características também propiciam o estabelecimento local de espécies que só ocorrem em regiões específicas (endêmicas), muitas das quais já se encontram ameaçadas, visto a quase que completa destruição de outras regiões da Mata Atlântica. Como comprovação dessa afirmação pode-se citar estudo recente da OSCIP Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais, coordenado pelo Dr. Marcio Roberto Pie e financiado pela Fundação Grupo Boticário. Esse estudo identificou novas áreas de ocorrência, agora incluídas no Parque Nacional de Guaricana, de espécies de pequenos anfíbios do gênero Melanophryniscus muito particulares, que se reproduzem em bromélias ou locais úmidos de campos de altitude, geralmente isolados por florestas nebulares.
O próprio nome Guaricana faz referência a espécies de pequenas palmeiras que ocorrem na área, pertencentes ao gênero Genoma, duas das quais (gamiova e schottiana) se encontram como criticamente ameaçadas na lista de flora ameaçada do estado do Rio Grande do Sul. Destaca-se que a Fundação Grupo Boticário também apoiou o estudo intitulado “A floresta ombrófila densa altomontana e os refúgios vegetacionais altomontanos no Paraná”, coordenado por Gilberto Tiepolo da Sociedade Fritz Muller de Ciências Naturais. Entre os resultados o estudo identificou 155 espécies vegetais na serra da Igreja, incluindo as espécies de guaricana, informações que apontaram a área como uma das regiões com maior riqueza entre as áreas alto-montanas estudadas até então no Paraná, corroborando com a importância biológica contida nos limites do Parque Nacional.
Em relação ao potencial de ecoturismo do local, também é importante destacar a provável ocorrência de vestígios do antigo Caminho Histórico do Arraial, que acompanhava o rio homônimo em parte da área do Parque Nacional e servia de ligação aos primeiros viajantes que se deslocavam do litoral paranaense para a região do primeiro planalto onde hoje se encontra a região metropolitana de Curitiba. Prospecções arqueológicas precisarão ser conduzidas pelo órgão gestor do novo Parque Nacional, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), para resgatar vestígios desse caminho, juntamente com outras atividades necessárias para a proteção e manejo da Unidade de Conservação, que passam pela necessária elaboração do seu Plano de Manejo e alocação de pessoal.
Não menos importante para consolidar o potencial para o turismo da área são os encachoeiramentos e corredeiras que se proliferam de entremeio às dezenas de serras, escarpas e vales no interior da área, especialmente nos afluentes e canais principais dos rios Arraial, Canasvieiras e São João, todos da bacia do rio Cubatão e que desaguam da Baía de Guaratuba (Foto 2). Há ainda as cachoeiras e corredeiras dos rios Pinto e Sagrado, que rumam para a Baía de Paranaguá.
Ou seja, o Parque Nacional também exercerá papel fundamental para a preservação desse patrimônio, fundamental para garantir a longo prazo o suprimento hídrico da capital e dos municípios do litoral sul do Paraná, com potencial de geração hidrelétrica à jusante, além de garantir a manutenção dos estuários que garantem recursos pesqueiros e suportam parte significativa da economia regional. Cabe destacar que a área já é utilizada para trekking e apreciação das quedas d’água locais, bem como para montanhismo e rappel, porém agora tais práticas precisarão ser regularizadas pelo ICMBio, visando a segurança dos praticantes e a proteção dos ambientes naturais.
A condição fundiária da área favorece a rápida implementação do Parque Nacional, visto que uma parcela significativa do território pertencia ao extinto Banco Bamerindus S/A., que foi arrecadado pela União quando da execução de dívidas da instituição financeira junto ao Governo Federal. Outra parcela quase de igual proporção pertence à Norske Skog Pisa, conglomerado internacional do ramo de papel e celulose baseado no Paraná. Esse conglomerado mantinha florestas de Pinus spp. em parte da área, a qual , em acordo no processo de licenciamento para extração dessas florestas plantadas, concordou em cedê-las para a criação da Unidade de Conservação. Essas duas áreas, juntamente com outros quatro imóveis atrelados ao patrimônio da Companhia Paranaense de Energia (COPEL), que também manifestou anuência à incorporação de suas áreas no Parque Nacional, compreendem cerca de 70% da extensão territorial circunscrita ao Decreto de Criação.
Complementam o território da Unidade de Conservação áreas devolutas (públicas), outras com demandas de posses e áreas menores supostamente pertencentes a particulares. De acordo com informações do processo de criação da unidade, não deve haver mais que uma ou duas habitações em seu interior. Ou seja, recursos para desapropriações de áreas e benfeitorias serão mínimos, sendo que há informações repassadas por dirigentes do Ministério do Meio Ambiente de que já há recursos disponíveis de compensação ambiental para aplicação na unidade para esses fins, além da implantação de infraestrutura mínima para fiscalização e controle.
Resta, pois, cumprimentar o Governo Federal, através dos técnicos do Ministério do Meio Ambiente e ICMBio envolvidos, pela criação do mais novo Parque Nacional do Sul do Brasil, o segundo maior exclusivo em território paranaense, por proporcionarem às demais nações do planeta um exemplo de civilidade e de preocupação com a manutenção da vida desta e das futuras gerações. Igualmente exemplar foi o processo democrático envolvido, visto a exaustão da discussão da proposta com as diversas instâncias da sociedade e dos poderes públicos durante a instrução do processo de criação, que se estendeu por pelo menos seis anos. Cumprimentos, também, ao Governo do Paraná, através da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, que, por mais de uma vez, solicitou formalmente ao Governo Federal a criação do Parque Nacional e não deliberou propostas de licenciamento de Pequenas Centrais Hidrelétricas na área, as quais poderiam comprometer significativamente a sua