A lama que encobre o Brasil

Por Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental, para a Folha de São Paulo

Após a tragédia do rompimento da barragem de rejeitos de mineração em Mariana no dia 5 de novembro, é necessário que o país reveja seus instrumentos de gestão ambiental, com o objetivo de aprimorá-los e torná-los mais aptos a prevenir desastres.

O licenciamento ambiental é um instrumento da política nacional criado para que o poder público possa exercer o necessário controle sobre as atividades que interferem no meio ambiente. Um mecanismo de gestão ambiental que atua para conciliar o desenvolvimento econômico com o uso dos recursos naturais.

O desenvolvimento sustentável, com o qual o governo brasileiro constantemente reafirma seu compromisso, demanda do país um licenciamento ambiental mais robusto e eficaz do que o que temos hoje, seja no nível federal, seja no âmbito dos Estados e municípios, que também têm essa atribuição. É no licenciamento que as diferentes perspectivas em torno de um projeto se manifestam e onde é possível prevenir e reduzir conflitos.

Quanto melhor o licenciamento, menos processos judiciais, mais respeito aos direitos das populações afetadas, menos danos e impactos ambientais e menos conflitos. Um licenciamento ambiental mais adequado dará maior segurança jurídica aos investidores e empreendedores engajados nos projetos de desenvolvimento para o país.

Seminário realizado em Brasília no último dia 5 de novembro pelo Instituto Socioambiental e o Ministério Público Federal reuniu especialistas no assunto de todo o Brasil e concluiu que o licenciamento é uma conquista da sociedade brasileira, mas deve ser aprimorado para ser mais efetivo.

Empreendedores reclamam da morosidade nos processos, e afetados atestam baixo compromisso dos empreendedores com a implementação das condições estabelecidas para a concessão das licenças.

Um exemplo recente é a usina hidrelétrica de Belo Monte, cuja licença de instalação estabeleceu mais de 40 condicionantes a serem cumpridas antes do final da obra. O não cumprimento de algumas dessas condicionantes, como a realização do saneamento básico da cidade de Altamira (PA), impediu a emissão da licença no prazo esperado.

Mas ainda há quem veja o licenciamento como um entrave burocrático que deve ser superado, o que se reflete em projetos de lei destinados a alterar esses procedimentos.

O caso mais evidente e grave é o do projeto de lei 654/2015, do senador Romero Jucá (PMDB), que estabelece um rito excepcional de licenciamento ambiental baseado na emissão de uma licença única a ser emitida em um prazo máximo de oito meses, contados entre a solicitação da licença e seu deferimento.

Esse licenciamento, no qual não haverá audiências públicas, se aplicará a obras consideradas estratégicas, assim definidas por decreto pelo poder Executivo (nos níveis federal e estadual), podendo se aplicar a portos, rodovias, ferrovias, aeroportos, hidrelétricas, entre outros, e à exploração de recursos naturais, dentre os quais petróleo e minérios.

Os mais complexos projetos de infraestrutura, que pressupõem maior grau de impacto socioambiental, estão entre o conjunto que o projeto exime da obrigação de fazer uma avaliação consistente.

A aplicação das disposições e prazos previstos no projeto tende a gerar um licenciamento sem base adequada, que poderá acarretar conflitos de responsabilidade nos casos de danos ambientais futuros.

O estabelecimento de prazos excessivamente enxutos e a incorporação de uma “licença ambiental integrada” para substituir a licença prévia de instalação e de operação, significa, na prática, a eliminação do processo de licenciamento ambiental.

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