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Indígenas afirmam que defenderão seus territórios com a própria vida

Por Clarissa Presotti, para o Portal de Políticas Socioambientais

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Nesta quinta-feira (16), a porta da frente do Congresso Nacional estava aberta para receber os índios. Não só isso. Os plenários principais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal estavam reservados somente para eles durante a realização de sessões solenes em homenagem ao Dia Nacional do Índio. Eram barrados na entrada os não indígenas. Um fato histórico considerando os últimos acontecimentos no Parlamento relacionados aos direitos e reconhecimento desses povos.

Final do ano de 2014, indígenas são impedidos de entrar na Congresso e são tratados com violência e desrespeito pelos seguranças e policiais. Eles estavam tentando lutar pelos seus direitos que estão em risco devido às propostas que alteram a Constituição Federal como a PEC 215/2000 – que transfere do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de demarcar Terras Indígenas e Territórios Quilombolas, bem como de criar Unidades de Conservação (UCs).

A PEC foi arquivada no final do ano passado devido à grande mobilização dos movimentos sociais e indígenas aliados a alguns parlamentares. Mas deputados da bancada ruralista foram rápidos e articularam o desarquivamento da 215 no início da nova legislatura e, em sequência, foi reconstituída a Comissão Especial. Esta composta por deputados que tiveram suas campanhas eleitorais financiadas por grandes empresas do agronegócio, mineração, energia, madeireiras e bancos.

Mas os indígenas não estão para brincadeira. O aviso é claro. Não vão permitir que retirem os direitos dos seus povos garantidos com muita luta na Constituinte de 1988.  O líder Lindomar Terena, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), afirmou que se a PEC 215 for aprovada haverá muito sangue derramado. “Não viemos aqui para brincar, viemos dizer que estamos vivos. Nós vamos defender nossos territórios com as nossas próprias vidas”, avisou Terena.

A coordenadora nacional da Apib, Sônia Guajajara, destacou que não se pode permitir que o agronegócio e o capitalismo sejam maiores que a vida. “Essa Casa precisa entender o que são os povos indígenas e não tentar silenciar nossas vozes. Pedimos respeito aos nossos ancestrais, povos originários desse País que tombaram na luta por direitos”.

Soninha Guajajara alertou ainda que a PEC 215, e outras propostas semelhantes que tramitam no Congresso como o PLP 227/2012 e o PL 1610/96, vai decretar a morte dos povos indígenas do Brasil. “É uma proposta letal e grave. Os povos indígenas estão há cinco séculos garantindo a permanência da cobertura florestal e a manutenção da água limpa e a continuidade da vida desses que estão querendo nos destruir”, destacou. Ela entregou aos deputados presentes uma camisa com os dizeres “PEC 215 NÃO! Em defesa dos direitos constitucionais dos povos indígenas”.

O presidente interino da Fundação Nacional do Índio (Funai), Flavio Chiarelli, destacou a inconstitucionalidade da PEC 215 e disse que “deve ser arquivada”. Ele considerou a sessão solene na Câmara um marco histórico, pois abre espaço no Parlamento para os povos originários do Brasil. “Tivemos ano passado momentos lamentáveis na entrada de indígenas nesta Casa e que agora possam ser recebidos com dignidade e respeito. São 500 anos de lutas duras e extermínio. O Estado tem uma dívida enorme com esses povos”.

O cacique Raoni Metuktire pediu que o Congresso Nacional continue com as portas abertas às todas as lideranças indígenas. “Vamos continuar defendendo nossos direitos”, avisou.

Compromissos

Na abertura da sessão no Senado Federal, o senador João Capiberibe (PSB-AP) destacou os ataques sofridos pelos índios brasileiros. “Um deles é a invasão de reservas, bem como a demora do governo federal em demarcar pelo menos 20 novas terras indígenas”. –

Essas denúncias fazem parte da carta enviada à presidente Dilma Rousseff pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil no mês passado. No documento, os indígenas também reivindicam que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, publique as portarias declaratórias de Terras Indígenas que aguardam sua assinatura e que a Funai publique os Relatórios Circunstanciados de Identificação de terras, concluídos e até hoje engavetados.

Na manhã de quarta-feira (15), os índios entregaram essa mesma carta ao ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Miguel Rosseto, durante audiência no Palácio do Planalto com representantes indígenas das cinco regiões do país. Junto ao documento, as lideranças anexaram a Carta Compromisso assinada pela presidente em 2014 com uma série de promessas para os povos indígenas.

O senador Capiberibe destacou na audiência que estaria articulando uma reunião com a presidente Dilma. “Para que ela possa finalmente receber as lideranças e tratar desses processos de demarcação que aguardam apenas sua assinatura para serem homologados”.

Mas nada de Dilma. Uma comitiva de indígenas da Apib conseguiu nesta quinta ser recebida pelo vice-presidente da República, Michel Temer. Novamente foram cobrados os compromissos assumidos pelo governo durante a campanha para que façam valer a posição pública da presidente contra a PEC 215. Também estavam na pauta a homologação e demarcação de terras indígenas; a mudança da matriz energética; e o fortalecimento da Funai.

Temer prometeu que vai levar as reivindicações dos indígenas à Dilma Rousseff, mas que Miguel Rosseto é o responsável pela articulação entre movimentos sociais e a Presidência.

Na quarta, os indígenas entregaram ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, a carta política do 11º Acampamento Terra Livre (ATL). No documento está a posição dos povos indígenas contra a PEC 215. O presidente se comprometeu a não usar a prerrogativa presidencial de levar a proposta para votação no plenário e disse que não há pressa para aprová-la.

Segundo Cunha, a tramitação da PEC deve seguir o trâmite normal, ou seja, a comissão especial deve se pronunciar, e o texto não irá a Plenário antes disso. Ele recomendou que os índios procurem os líderes partidários. “Quem decide não sou eu, são os parlamentares que disputam no voto; e vence quem tiver maioria no Plenário”, avisou.

Alianças

Nesta semana, também foi realizada uma grande plenária da Mobilização Nacional Indígena no Acampamento Terra Livre, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Participaram deputados que defendem as causas indígenas como Nilto Tatto (PT-SP), Érika Kokay (PT-DF), Paulo Pimenta (PT-RS), Janete Capiberibe (PSB-AP), Edimilson (PSOL-PA) e Ságuas Moraes (PT-MT). Foram repactuados o compromisso desses parlamentares com o debate das políticas públicas para os indígenas e da luta conjunta contra a PEC 215.

O evento também contou com a participação da ex-senadora Marina Silva, candidata nas eleições passadas à Presidência da República. Ela lembrou das ameaças aos direitos indígenas que estão no Congresso e na paralisação dos processos de demarcação de terras indígenas promovido pelo Executivo.

“Não podemos deixar mais que os temas como meio ambiente e direitos indígenas virem moeda de troca no Congresso Nacional. São coisas intocáveis e que não podem ser relativizadas e muito menos esquecidas pelas candidaturas. Vocês estão aqui para nos lembrar disso”, defendeu.

Os eventos fazem parte do Abril Indígena, movimento que trouxe à capital representantes dos índios de todo o País. É organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que reúne lideranças, entidades aliadas e parceiros da sociedade civil.

O Acampamento Terra Livre aconteceu de 14 a 16 de abril, ao mesmo tempo que outras atividades espalhadas pelo Brasil. Tudo com o objetivo de chamar a atenção da sociedade para as ameaças aos direitos dos povos indígenas em curso no país, sobretudo vindas do governo e do Congresso Nacional.

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