É indubitável a relevância global da Amazônia sob os aspectos ambiental, climático e cultural. Além de sua incalculável e ainda pouco conhecida biodiversidade, é crucial para a regulação climática do planeta e abriga milhões de indígenas, ribeirinhos, quilombolas e extrativistas, que têm na floresta em pé seu sustento, seu bem-estar e sua identidade cultural.
Por isso, é louvável a profusão de declarações, entrevistas e artigos de parte importante do empresariado brasileiro, especialmente nos últimos meses, reconhecendo a importância deste bioma. Louváveis também são todas as decisões e iniciativas anunciadas, no intuito de indicar o que pretendem fazer, na prática, com seus investimentos e atividades econômicas, para honrar a palavra empenhada e os compromissos assumidos.
Mas, é necessário que se diga que toda esta justa e merecida atenção dispensada à Amazônia não pode se dar em detrimento dos demais biomas brasileiros. Em particular, queremos lembrar da Mata Atlântica, a primeira floresta a enfrentar o desmatamento em larga escala – ao ponto de restarem pouco mais de 12% da sua cobertura florestal original – e onde vivem hoje 152 milhões de brasileiros, ou 72% da população. População esta que depende de suas florestas para o abastecimento hídrico e para a manutenção da sua qualidade de vida e bem-estar.
Falamos da Mata Atlântica que, embora reconhecida como Patrimônio Nacional pela Constituição, permanece sob constante ameaça. Enquanto na Amazônia a grilagem de terras e o avanço da fronteira agropecuária são os principais vetores do desmatamento, na Mata Atlântica é a especulação imobiliária e o crescimento urbano desordenado que seguem reduzindo ainda mais seus remanescentes. Além disso, em algumas regiões do país a pressão pela conversão de florestas e outros ecossistemas associados ao Bioma Mata Atlântica tem se intensificado. Como se fosse pouco, proliferam disputas judiciais que pretendem anular obrigações de recuperação de áreas ilegalmente desmatadas e questionar atos jurídicos perfeitos, constituídos a partir de 1990, com o Decreto Federal nº 99.547, que instaurou um regime especial de proteção do bioma que foi ratificado e aprimorado com a Lei Federal 11.428, que protege o que restou de Mata Atlântica no país. Tais dispositivos não foram revogados pela Lei Federal 12.651/2012, permanecendo vigentes e, portanto, sendo seu cumprimento mandatório e necessário. O Despacho MMA 4.410/2020 procurou relativizar a Lei da Mata Atlântica, permitindo que proprietários rurais não recuperem Áreas de Proteção Permanente desmatadas e ocupadas até julho de 2008. Ainda que tal despacho tenha sido revogado, o governo federal aciona o STF na tentativa descabida de legitimar essa medida.
Do absurdo projeto governamental que pretende desmatar a Floresta do Camboatá, no Rio de Janeiro, para a construção de um autódromo, à insistência de empresas florestais em tratar os Campos de Altitude como área potencial para suas monoculturas arbóreas, são muitos os exemplos, do Nordeste ao Sul do país, da vulnerabilidade atual do bioma.
Certamente para acomodar tais interesses, são muitas as propostas de alteração no marco legal de proteção do bioma, que vão desde projetos de lei que praticamente revogam a Lei da Mata Atlântica até pareceres jurídicos que advogam por interpretações tão criativas quanto ilegais e ultrapassadas. O retrocesso está no ar!
Por falar nas empresas de base florestal, é notório ver várias de suas principais lideranças – incluindo os presidentes da maior empresa do setor e da associação industrial que as abriga – emprestando publicamente suas reputações em defesa da Amazônia brasileira, contra o desmatamento, contra as ilegalidades, contra os crimes ambientais. Como dissemos, nada de errado com isso, pelo contrário. Mas, por que será que estão tão preocupados com a proteção do bioma onde estão menos de 10% das
plantações de árvores do país, enquanto permanecem em silêncio diante das ameaças que pairam sobre os ecossistemas onde encontram-se cerca de 80% das plantações que abastecem de madeira suas fábricas
Como será possível “ampliar a escala dos esforços de conservação e restauração do meio ambiente”, um dos objetivos do Diálogo Florestal – criado há 15 anos e do qual fazem parte as principais empresas do setor e várias organizações filiadas à Rede de ONGs da Mata Atlântica – se nos calarmos diante do risco de decisões que, se implementadas, seriam obstáculos a este objetivo? Não queremos crer que as empresas endossem tais intenções. Nem tampouco que sejam reféns daqueles que permanecem no atraso, tanto em termos de produtividade quanto sustentabilidade. Até porque, a redução das áreas sob proteção da Lei da Mata Atlântica, a anulação de multas por supressão ilegal de vegetação e a suspensão de obrigações de recuperação legalmente estabelecidas beneficiaria a poucos e traria prejuízos a muitos, incluindo às empresas certificadas e comprometidas com a sustentabilidade.
Entendemos que proteger a Mata Atlântica deve ser ponto de união entre as pessoas e instituições que comungam com os princípios da responsabilidade socioambiental e da sustentabilidade. Como muitas lideranças empresariais têm demonstrado nos últimos meses, diante das crises climática, ambiental e socioeconômica que enfrentamos, potencializadas pela pandemia do coronavírus, se omitir não é uma opção. Não é para a Amazônia e não pode ser para a Mata Atlântica.