A Câmara finalizou, na noite de terça (10/2), a votação das emendas ao substitutivo do ruralista Alceu Moreira (PMDB-RS) do Projeto de Lei do Executivo (PL) 7.735/2014, cujo texto principal fora aprovado pelo plenário um dia antes (veja aqui). A proposta segue agora para o Senado, ainda em regime de urgência, ou seja, se não for votada em 45 dias, passa a trancar a pauta.
O projeto pretende facilitar o acesso de pesquisadores e indústrias aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade e à agrobiodiversidade. Hoje, o tema é regido pela Medida Provisória 2.186-16/2001.
Com a conivência do Planalto, peemedebistas e ruralistas costuraram um acordo para impedir qualquer mudança que significasse perdas para as indústrias farmacêuticas e de cosméticos e avanços para povos indígenas e tradicionais.
Das 14 propostas de alteração apresentadas (destaques), só foi aprovada mais uma flexibilização em benefício do setor privado: a possibilidade de anistiar empresas que tenham sido multadas antes da entrada em vigor da nova lei por infrações no acesso aos recursos genéticos. Seguindo determinação do governo, o PT voltou atrás na orientação de voto contra a proposta depois de ela ter sido registrada no painel do plenário. Apesar disso, o partido defendeu vários destaques favoráveis aos povos indígenas e tradicionais.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), começou a cumprir o acordo para facilitar a aprovação de projetos de interesse dos ruralistas em troca do apoio à sua eleição. Ele teve atuação decisiva terça, arbitrando votações em favor da bancada do agronegócio.
As votações dos destaques foram feitas por aclamação, ou seja, com os parlamentares indicando seu voto levantando ou mantendo o braço abaixado. Em meia dúzia de votações, houve dúvida sobre o resultado final. Cunha poderia ter requerido votação nominal, mas decidiu em favor da posição do relator.
Retrocessos
Entre outros retrocessos, a redação votada terça não prevê que populações indígenas e tradicionais possam negar o acesso a seus conhecimentos e traz diversas restrições à repartição dos benefícios oriundos da exploração econômica desses conhecimentos. Segundo o texto aprovado, essas comunidades só terão direito a alguma compensação se o conhecimento tradicional for “elemento principal de agregação de valor” do produto desenvolvido a partir dele e se este produto for incluído numa lista que será elaborada por alguns ministérios. Além disso, produtos desenvolvidos com base em acesso a conhecimentos realizado antes de junho de 2000 também estarão isentos de repartir benefícios.
O secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Roberto Cavalcanti, admite que há dúvidas sobre o que poderá ser alvo da regulamentação do projeto, mas acredita que “há muita coisa que vai para regulamentação”. Ele sugere que, nessa etapa, seria possível avançar no tema de repartição de benefícios.
“Caso mantidas as graves limitações aos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais no PL, pouco se poderá avançar no regulamento, já que este deve se sujeitar ao que diz a lei”, adverte o advogado do ISA Maurício Guetta. “Ou o Governo altera sua postura adotada desde o início do processo legislativo de defender interesses empresariais e negar-se a atender às demandas das comunidades tradicionais ou os retrocessos estarão consolidados na legislação”, analisa.
“Faço uma avaliação muito preocupada do resultado final. O substitutivo aprovado está muito distante do que desejaríamos. Ele desconsidera os direitos dos povos indígenas”, comentou o deputado Alessandro Molon (PT-RJ). Ele avaliou que, do jeito que o projeto está, a repartição de benefícios será uma exceção, e não a regra.
Nas negociações realizadas nos últimos três anos sobre o projeto, a Fundação Nacional do Índio (Funai) defendeu propostas favoráveis aos direitos dos detentores dos conhecimentos tradicionais, mas, em geral, foi voto vencido. A elaboração da proposta, enviada pelo governo à Câmara, foi liderada pelo Ministério do Meio Ambiente e resultou em texto apoiado pelo agronegócio e pelas indústrias farmacêuticas e de cosméticos. Na relatoria, inclusive nas votações em plenário, Alceu Moreira teve assessoria da Associação Grupo FarmaBrasil, uma das principais representantes do setor. Povos indígenas e tradicionais manifestaram-se contra o regime de urgência, que não permitiu ampla discussão do projeto, e não participaram das tratativas – o que governo e representantes de empresários admitem.
Por Oswaldo Braga, para o site do Instituto Socioambiental
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