Pela preservação da Floresta do Camboatá. Que o autódromo seja em outro lugar!

A Floresta do Camboatá. Foto: Brenno Carvalho

Leia nota conjunta da Rede de ONGs da Mata Atlântica e do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica sobre o projeto de construção de um autódromo na Floresta do Camboatá:

Com extrema apreensão o Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica – CNRBMA e a Rede de Organizações Não-Governamentais da Mata Atlântica – RMA acompanham o processo de licenciamento ambiental para construção de um autódromo sobre o último remanescente de Floresta Ombrófila de Terras Baixas da Cidade do Rio de Janeiro.

Localizada no bairro de Deodoro, a Floresta do Camboatá possui uma área aproximada de 194 hectares e este remanescente foi mapeado como Área Prioritária para a Conservação da Biodiversidade pela Portaria MMA nº 463, de 18 de dezembro de 2018, na condição de importância biológica extremamente alta. As características peculiares da flora local colocam este remanescente numa condição de insubstituibilidade. A Floresta do Camboatá compreende área inserida na Reserva da Biosfera da Mata Atlantica, reconhecida pela UNESCO, e abriga pelo menos 18 espécies ameaçadas de extinção, 14 da flora e 4 da fauna, além de fornecer serviços ecossistêmicos únicos para os bairros localizados no entorno da floresta

Entendemos o interesse do Estado em avançar nesta proposta de construção de um autódromo, contudo não há qualquer base para considerar tal empreendimento como obra de utilidade publica ou de interesse social, nos termos dos incisos VII e VIII do artigo 3º da Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006). Ou seja, esta área não deveria sequer ser considerada como alternativa locacional: que o autódromo seja em outro lugar!

A Mata Atlântica é um dos patrimônios nacionais definidos no artigo 225 da Constituição Federal, e sua utilização deverá ser feita, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente. Não custa lembrar que a mesma Constituição, em seu artigo 37, impõe a administração pública obediência ao princípio da legalidade, dentre outros.

A Lei da Mata Atlântica determina que a proteção e a utilização do Bioma far-se-ão dentro de condições que assegurem, dentre outros aspectos, o fomento de atividades públicas e privadas compatíveis com a manutenção do equilíbrio ecológico; o disciplinamento da ocupação rural e urbana, de forma a harmonizar o crescimento econômico com a manutenção do equilíbrio ecológico (Art. 7º), e ainda que o corte e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração do Bioma Mata Atlântica ficam vedados quando a vegetação abrigar espécies da flora e da fauna silvestres ameaçadas de extinção, em território nacional ou em âmbito estadual, assim declaradas pela União ou pelos Estados, e a intervenção ou o parcelamento puserem em risco a sobrevivência dessas espécies (Art. 11), fica evidente que a supressão deste singular remanescente florestal gera conflito direto e intransponível com as determinações legais.

É importante salientar que os Estudos de Impacto Ambiental de qualquer empreendimento precisam avaliar diferentes alternativas tecnológicas e locacionais. A Lei da Mata Atlântica, em seu artigo 12, estabelece que novos empreendimentos que impliquem o corte ou a supressão de vegetação do Bioma Mata Atlântica deverão ser implantados preferencialmente em áreas já substancialmente alteradas ou degradadas. O Rio de Janeiro é um dos Estados que tem seu território integralmente inserido nos limites da Mata Atlântica, e hoje apresenta cerca de 18,7% de cobertura vegetal nativa em diferentes estágios sucessionais. Seguindo as determinações legais, em 81,3% do território do Estado a implantação deste autódromo sequer estaria condicionado a observância das determinações da Lei da Mata Atlântica, Contudo a situação fática é ainda mais ampla, já que dentre os 18,7 % de remanescentes existem diversas áreas em estágio inicial de regeneração, ou mesmo médio porem sem a condição de importância biológica extremamente alta que caracteriza a Floresta do Camboatá. Inadmissível portanto, que outras alternativas locacionais, seguindo a diretriz da Lei da Mata Atlântica, não sejam contempladas.

A Mata Atlântica, o bioma mais comprometido pelas intervenções antrópicas no país, não pode perder um de seus remanescentes com reconhecida importância biológica, cedendo espaço para implantação de um autódromo. O CNRBMA e a RMA esperam que os órgãos estaduais competentes conduzam esse processo com a cautela que o caso requer, afastando a viabilidade deste empreendimento no local proposto, bem como que a União, detentora da titularidade da área, se abstenha de fazer a concessão da área para tal finalidade, e que se garanta a integridade deste remanescente florestal de inestimável valor que é a Floresta do Camboatá. Este será o verdadeiro grande prêmio ao Brasil.

Brasília/São Paulo, 10 de agosto de 2020.

João de Deus Medeiros – Coordenador da Rede de Organizações Não Governamentais da Mata Atlântica Clayton Ferreira Lino – Presidente do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica

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