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04
jun
2019

Carta de São Paulo – RMA critica investidas contra a gestão ambiental nacional

Assuntos: Áreas Protegidas
Autor: Juliana Ferreira
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Leia abaixo o documento aprovado na 16º Assembleia Geral, ou clique para acessar o arquivo PDF.

Carta de São Paulo
A Rede de Organizações Não Governamentais da Mata Atlântica – RMA, reunida em sua 16ª Assembleia Geral, realizada na cidade de São Paulo no dia 29 de maio de 2019, avaliou o cenário atual relativo a implementação de políticas públicas visando a proteção e uso sustentável dos recursos da Mata Atlântica. De imediato ressalta a apreensão com os rumos tomados pela atual gestão (2019-2022) que assumiu o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Como explicitado em nota divulgada em 08 de maio de 2019 e assinada por oito dos nove ex-ministros do meio ambiente de gestões anteriores, constata-se que a atual gestão procura avançar na desestruturação dos instrumentos de planejamento construídos nos últimos 40 anos, minando o arcabouço jurídico-institucional da gestão ambiental no país. A RMA ressalta que sempre atuou na perspectiva de avançar no aprimoramento do mesmo, entendendo que ainda persistem lacunas que podem ser aprimoradas. Basta lembrar que, excetuando a Mata Atlântica, os demais patrimônios nacionais reconhecidos pela Constituição Federal de 1988 continuam desprovidos de um marco que forneça a garantia constitucional que sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. Da mesma forma, transcorridos doze anos da criação do Fundo de Restauração do Bioma Mata Atlântica, previsto no artigo 36 da Lei nº 11.428/2011 (Lei da Mata Atlântica), tal instrumento ainda não foi regulamentado. Não obstante, os sinais apresentados pela atual gestão federal sinalizam riscos inclusive à manutenção do marco legal da Mata Atlântica, como bem indica o Projeto de Lei (PL) nº 364, de 2019, ora em tramitação, que pretende retirar os ambientes de Campos de Altitude da proteção conferida pela Lei da Mata Atlântica.

O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC (Lei nº 9.985/2000), outro importante e simbólico marco legal da gestão ambiental brasileira, também é atacado com a tramitação do PL nº 1.553, de 2019, que altera os critérios de criação de novas unidades de conservação e, contrariando determinação constitucional, restringe essa competência exclusivamente ao Poder Legislativo. No âmbito do Executivo, torna-se fértil o campo para o florescimento da impunidade aos crimes ambientais com a planejada fragilização da estrutura de fiscalização do IBAMA e do ICMBio, à título de implementar uma falácia eleitoral: o propalado combate à “indústria da multa”. Também, promoveu restrição à representação de amplos setores da sociedade, em particular das entidades ambientalistas, com o Decreto de reestruturação do CONAMA (Decreto nº 9.806/2019).

De forma mais evidente se mostra a investida contra as próprias Unidades de Conservação (UC) e ao ICMBio, órgão responsável pela gestão das UCs federais. O caso específico da Estação Ecológica (ESEC) Tamoios, em Angra dos Reis-RJ, chega a ser estarrecedor, com o Chefe do Executivo Federal declarando publicamente que é preciso desconstituir a unidade para permitir que a área se transforme numa “Cancún brasileira”.
Investidas diretas do titular do meio ambiente contra as UCs são observadas em várias situações, como no Parque Nacional (PARNA) dos Campos Gerais em Ponta Grossa-PR; na liberação de projetos de mineração nas Florestas Nacionais (FLONAS) de Itaituba e Trairão; na defesa da reabertura da “estrada do colono” no PARNA do Iguaçu; no desrespeito com os gestores do PARNA da Lagoa do Peixe em Mostardas-RS, apenas para citar alguns exemplos, não deixando de registrar que o atual Ministro do Meio Ambiente tem declarado que fará uma “revisão” de todas as UCs federais no país.

Os sinais de desrespeito e descompromisso com a Política e o Sistema Nacional de Meio Ambiente emitidos pela atual gestão federal mostram consequências, com os índices de desmatamento no país voltando a crescer, ameaçando desconstruir estratégias estabelecidas nas últimas três décadas. Mesmo na Mata Atlântica o relatório de 2019 da Fundação SOS Mata Atlântica /INPE aponta que em 2018 foram desmatados 11.399 hectares (ha), ou 113 Km², de áreas de Mata Atlântica com extensão acima de 3 hectares nos 17 estados do bioma. Cinco estados ainda mantêm índices inaceitáveis de desmatamento: Minas Gerais (3.379 ha), Paraná (2.049 ha), Piauí (2.100 ha), Bahia (1.985 ha) e Santa Catarina (905 ha). Com as medidas da atual gestão esse cenário tende a se agravar no próximo período. Se considerarmos o PL nº 2.362/2019 apresentado no Senado, que visa decretar o fim da Reserva Legal nos imóveis rurais associado a outras medidas para o desmonte da atual Lei Florestal de 2012, a flexibilização dos licenciamentos ambientais, o sucateamento dos órgãos de fiscalização, a liberação desenfreada de agrotóxicos, a regulamentação da caça aos animais silvestres e a facilitação do armamento da população, todas propostas defendidas e impulsionadas pela atual gestão, o cenário que se vislumbra para a conservação e defesa dos parcos remanescentes de Mata Atlântica é bastante sombrio.

Não podemos deixar de registrar a injusta e imoral tentativa de fragilização dos conselhos de diferentes áreas e da criminalização de ONGs e movimentos sociais, criando intimidação e ameaças aos que procuram se manter firmes na defesa dos direitos socioambientais da população. Esse quadro nos mostra que estamos diante de uma ameaça que extrapola a pauta ambiental. Sob vários aspectos é o Estado Democrático de Direito que é atacado, e acirram-se as desigualdades com custos sociais e ambientais severos, recaindo de forma mais intensa sobre os setores mais fragilizados. Para a Mata Atlântica, por surreal que pareça, retrocedemos a lógica colonial, com a diferença que hoje, com o pouco que restou dos séculos de exploração predatória e irresponsável, não há como ela resistir a investida de um novo ciclo desse tipo. Precisamos somar forças, articular ações e energias para resistir a essa avalanche de ameaças que pairam sobre a Mata Atlântica, sobre a nossa Constituição cidadã e, em última instância, sobre a própria democracia.

São Paulo, 29 de maio de 2019.
Coordenação Nacional e Plenário da RMA.


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