Por João de Deus Medeiros, biólogo, professor da UFSC e Coordenador Geral da Rede Mata Atlântica
Confesso que fiquei surpreso ao ler a matéria intitulada “Agricultura lidera preservação no Brasil: Ninguém preserva mais a vegetação nativa do que os produtores rurais”, escrita por Evaristo Miranda, doutor em ecologia e chefe geral da EMBRAPA monitoramento por satélite, publicada no jornal Estado de São Paulo do dia 05/06/2017 (**). Mesmo conhecendo outras produções do autor a surpresa surge pelo primarismo de sua argumentação e a confusão generalizada que ele faz com os dados apresentados.
Soa contraditório estabelecer comparação entre áreas especialmente protegidas na forma de unidades de conservação da natureza e terras indígenas com a proteção promovida pelos imóveis rurais. Em outras produções do autor se viu a cantilena de que o Brasil já estaria inviabilizado por conta da extensão das áreas destinadas a proteção, agora ele inverte a lógica, enaltecendo a grandiosa contribuição dos imóveis rurais na preservação da vegetação nativa. Convenientemente elimina qualquer avaliação sobre a distinta proporcionalidade entre a área das categorias mencionadas.
Segue demonstrando pouca familiaridade com o instituto da Reserva Legal, afirmando que na Amazônia os proprietários rurais deixam de utilizar 80% de seus imóveis, asseverando que tal espaço “lhe é vedado usar”. Recomendamos ao autor fazer uma leitura previa nos termos da Lei nº 12.651 de 2012, lá ele encontrará informações mais precisas sobre a reserva legal. Nessa mesma lei o autor encontrará a definição de Cadastro Ambiental Rural (CAR) e do Programa de Recuperação Ambiental (PRA), e verá que são coisas distintas, instrumentos com finalidades e mecanismos operacionais completamente diferentes, não fazendo o menor sentido informar, como faz o texto, que o PRA sucederá ao CAR. Mais desproposital ainda é a alegação de que algumas instituições pretendem organizar uma verdadeira inquisição informatizada no âmbito do PRA. Sem entrar em argumentações tediosas, basta dizer que a lei prevê que a adesão ao PRA é ato voluntário, ou seja, por aí a inquisição informatizada não funcionará.
Informa ainda o texto que “no Sul, as unidades de conservação e as terras indígenas, juntas, protegem 2%, enquanto os produtores preservam 17% da região nos imóveis rurais”. Necessário lembrar ao autor que nessa região, somente a titulo de Reserva Legal, se projeta uma área de 20% dos imóveis rurais. O dado em si demonstra que o cumprimento da lei, algo básico num Estado democrático, é ainda algo a ser perseguido. Bem como a inquestionável constatação que os investimentos do Poder Público na conservação da Mata Atlântica são ainda ínfimos, muito distante até mesmo dos percentuais que o País se compromete a proteger ao assinar pomposos acordos internacionais. Nesse trecho o autor também poderia escrever que os produtores rurais do sul já converteram mais de 80% de seus imóveis para outros usos da terra.
O autor também demonstra que pouco proveito fez de suas aulas de ecologia, simplificando e reduzindo a vegetação do Pantanal, Pampa, Caatinga, Campos de altitude e Cerrado a meras pastagens, e ainda, do alto de sua autoridade, assevera que esses “pastos” são mantidos em equilíbrio pela pecuária há séculos.
Como bom estatístico não se furta a qualificar agricultor como a categoria profissional que mais preserva o meio ambiente. Com números tirados sabe-se lá de onde, classifica mineradores, médicos, professores, industriais, militares, dentre outros, como meros coadjuvantes. No fim ele nos adverte que a Embrapa calculará o valor e o custo de toda essa área imobilizada. Se assim for seria bom a EMBRAPA, como instituição séria e competente que é, mobilizar seus verdadeiros ecólogos e estatísticos.
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