Foto: SCO/STF

Presidente do STF vota por inconstitucionalidade de MP que reduz área protegida

Voto de Carmem Lúcia é uma sinalização importante, apesar de decisão final sobre assunto ainda estar em aberto

Por Oswaldo Braga, para o Instituto Socioambiental

Foto: SCO/STF

Nesta quarta (16/8), a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carmem Lúcia, deu uma importante sinalização em defesa do meio ambiente. Na qualidade de relatora, ela votou pela inconstitucionalidade do uso de Medidas Provisórias (MPs) para reduzir Unidades de Conservação (UCs).

O voto foi dado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4717, movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a MP 588/2012, do governo de Dilma Rousseff, que diminui UCs em Rondônia, Amazonas, Pará e Mato Grosso para permitir a implantação de hidrelétricas (saiba mais no fim da reportagem).

Logo depois da manifestação de Lúcia, o ministro Alexandre de Moraes pediu vistas do processo, suspendendo-o. Não há previsão para a sua retomada. Todos os outros dez ministros da corte ainda devem votar.

Por isso, não há ainda uma decisão final sobre o caso. O voto da relatora, no entanto, é uma indicação importante porque estabelece os elementos principais que serão discutidos até o fim do julgamento.

Recentemente, o governo Temer tentou reduzir por MP a Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, no sudoeste do Pará. Na tramitação no Congresso, a área perdida para a conservação aumentou exponencialmente, inclusive afetando outras UCs. O governo acabou voltando atrás, vetando a grande parte da MP, mas foi obrigado a encaminhar ao Congresso um projeto de lei reduzindo a Flona(leia mais).

 

Relatório

Em sua manifestação, Carmem Lúcia confirmou que MPs e decretos presidenciais podem ser usados para ampliar a proteção ao meio ambiente, mas não para reduzi-la, como nesse caso. De acordo com a ministra, a diminuição de uma área protegida precisaria ser feita por meio de uma lei convencional, discutida amplamente pela sociedade na tramitação de um projeto no Congresso.

“O que se consumou, na minha consideração, foi a indevida alteração de reservas florestais, sem o atendimento ao devido processo legislativo formal, deflagrada e levada a efeito pela presidente da República, que, como demonstrado nos variados documentos trazidos, acarretou em prejuízos à proteção ambiental em parques nacionais na Amazônia”, disse.

O voto reafirmou que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto na Constituição é um direito fundamental. Reforçou ainda a proibição de retrocesso em direito socioambiental e o princípio da precaução, pelo qual deve-se evitar danos ambientais, que podem ser irreversíveis.

“O voto da ministra Carmen Lúcia é relevantíssimo para a preservação das UCs, pois veda a sua desafetação ou redução por medida provisória, considerando que esta pode produzir danos irreversíveis ao meio ambiente”, avalia o advogado do ISA Maurício Guetta. “Além disso, o reconhecimento de violação ao princípio da vedação de retrocesso em direitos socioambientais ainda pode produzir precedente importante para o julgamento das ações contra o chamado novo Código Florestal”, acrescenta.

Guetta analisa ainda que o voto da presidente do STF deve influenciar decisões econômicas e políticas futuras, do governo e da iniciativa privada, sobre a construção de hidrelétricas na Amazônia. Ele acredita que os atores do setor elétrico podem ser mais cautelosos no planejamento e execução de projetos a partir de uma eventual decisão final inspirada no relatório da presidente do STF.

Uma das dúvidas sobre o voto de Carmem Lúcia é que ela declarou a inconstitucionalidade do uso de MPs para a redução de UCs, o que poderá ser um obstáculo ao uso desse instrumento para esse fim no futuro, mas não anulou a MP 588 pelo fato de duas das hidrelétricas implicadas no caso, Santo Antônio e Jirau (RO), já terem sido construídas e estarem funcionando. Resta saber se os outros ministros tratarão desse assunto, se o acórdão final sobre a decisão vai esclarecê-lo ou se as partes envolvidas terão de pedir esse esclarecimento.

O voto da ministra foi proferido depois de vitória importante dos povos indígenas no STF. A corte rejeitou as duas ações do governo de Mato Grosso que exigiam indenizações da União por ela ter supostamente demarcado o Parque Indígena do Xingu e áreas dos índios Pareci e Nambikwara sobre áreas devolutas estaduais (leia mais).

 

Medida Provisória

Editada em janeiro de 2012 pela presidenta Dilma Rousseff, originalmente a MP ampliava o Parque Nacional (Parna) dos Campos Amazônicos (AM/RO/MT), mas reduzia a Área de Proteção Ambiental (APA) Tapajós (PA), os Parnas da Amazônia (AM/PA) e do Mapinguari (AM/RO), as Flonas (Florestas Nacionais) de Crepori, Itaituba I e II (PA). No total, o primeiro Parna ganhou 87,7 mil hectares e as outras seis áreas perderam juntas 86 mil hectares.

As alterações foram feitas para regularizar a ocupação de agricultores e acomodar a implantação das hidrelétricas de Jirau, Santo Antônio e Tabajara (RO), e do complexo hidrelétrico do Tapajós (PA). O relator da MP na Câmara, deputado Zé Geraldo (PT-PA), conseguiu aprovar também a exclusão de mais 18 mil hectares da Flona do Tapajós (PA).

 

Ação retirada de pauta

Outra ADI importante sobre UCs, a 3646, também prevista para ser julgada hoje, foi retirada da pauta do STF em virtude da ausência de seu relator, o ministro Dias Toffoli, que está doente. A ação foi ajuizada pelo governador de Santa Catarina e argumenta que o art. 22 da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, nº 9.985/2000) é inconstitucional. O dispositivo prevê que a criação, ampliação e recategorização de UCs pode ser feita por decreto. Segundo análise do ISA e de outras organizações ambientalistas, se a ação for julgada procedente, a criação das UCs e aquelas hoje existentes poderiam ser colocadas em risco (saiba mais).

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