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12
jun
2017

Clima de Desacordos

Autor: Juliana Ferreira
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12/06/2017

Por João de Deus Medeiros, biólogo, professor da UFSC e coordenador geral da Rede Mata Atlântica

As vésperas da semana do meio ambiente os noticiários informam que um grupo de doze governadores norte-americanos assinou um manifesto de boicote à saída dos EUA do Acordo de Paris. No manifesto os estados reafirmam o compromisso com o pacto climático.

Comenta-se que, com o ato, o presidente da nação mais poderosa do mundo não apenas vira as costas à ciência, aprofunda a fratura com a Europa e menospreza sua própria liderança como também, diante de um dos desafios mais inquietantes da humanidade, abandona a luta. Muitos afirmam que a era Trump, obscura e vertiginosa, já começou.

Até que ponto essas críticas são procedentes? Efetivamente o acordo de Paris representa um pacto climático efetivo, capaz de responder a esse imenso desafio que enfrentamos? Caso o acordo de Paris seja tudo isso, fará muita diferença a ausência dos Estados Unidos?

Precisamos entender que o Acordo de Paris é um tratado no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC – sigla em Inglês), que rege medidas de redução de emissão de dióxido de carbono a partir de 2020, data estabelecida com a “Emenda Doha” em 2012, quando findou o primeiro período da Convenção sem qualquer resultado concreto. O acordo foi negociado durante a 21ª Conferência das Partes (COP21) da UNFCCC, em Paris e foi aprovado em 12 de dezembro de 2015.

Com o Acordo de Paris a comunidade internacional se comprometeu a limitar o aumento da temperatura ao teto máximo de 2ºC em relação aos níveis da era pré-industrial e a “continuar os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC”.

O Acordo de Paris foi assinado por 196 países, incluindo a Autoridade Palestina, dos quais 147 o ratificaram oficialmente, e entrou em vigor no dia 4 de novembro de 2016 após atingir o mínimo de 55 ratificações, representando 55% das emissões globais de gases do efeito estufa. Ele prevê, porém, uma certa flexibilidade, devido “às diferentes capacidades” dos países. O Acordo de Paris não determina um calendário, se limitando a dizer que as emissões precisam começar a cair “assim que possível”. Nesse acordo os países desenvolvidos também prometeram criar um fundo de 100 bilhões de dólares anuais, mas só a partir de 2020.

Como já mencionado, o Acordo de Paris é um tratado no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Esta Convenção foi adotada em 1992, na cidade de Nova York, e apresentada no Brasil durante a ECO 92. A Convenção entrou em vigor em 1994. O Brasil a ratificou em fevereiro de 1994. O propósito maior da Convenção foi o estabelecimento de metas de redução dos gases causadores do efeito estufa para os países que a ratificaram. Essas metas, contudo somente foram estabelecidas em 1997, quando da aprovação do Protocolo de Quioto, o qual somente obteve o número mínimo de ratificações em 2005. Segundo o protocolo as nações industrializadas que assinaram o documento deveriam diminuir suas emissões de gases de efeito estufa em 5,2% em relação aos níveis emitidos em 1990. O primeiro período de compromisso do Protocolo foi de 2008 a 2012, prazo para que a meta estabelecida fosse atingida. Destaca-se que o protocolo foi rejeitado pelo Senado americano por 95 a zero e George W. Bush o abandonou em 2001. Como todos sabemos, a meta do Protocolo de Quioto não foi atingida.

O Brasil, mesmo não figurando como nação industrializada, portanto sem ter que assumir metas de redução dos gases de efeito estufa, adotou o compromisso voluntário de reduzir entre 36,1% (trinta e seis inteiros e um décimo por cento) e 38,9% (trinta e oito inteiros e nove décimos por cento) suas emissões projetadas até 2020. E fez isso formalmente, editando a Lei Nº 12.187 de 29 de dezembro de 2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC.

A despeito de termos uma Política Nacional sobre Mudança do Clima desde 2009, a ex-presidente Dilma Rousseff rejeitou a inclusão de nosso país Declaração de Nova York sobre Florestas, um documento propondo reduzir pela metade a derrubada das florestas do mundo até 2020 e zerar por completo o desmatamento até 2030. Quando Dilma anunciou isso em 2014, fez discurso na plenária da ONU exaltando a agenda sustentável do seu governo e descreveu os indicadores de desmatamento brasileiros como “excepcionais”. Dilma alegou contradição com a legislação nacional e justificou a decisão de ficar de fora dizendo que “a lei brasileira permite que nós façamos o manejo florestal. Muitas pessoas vivem do manejo florestal, que é o desmatamento legal sem danos ao meio ambiente”. Nessa semana do meio ambiente de 2017 recebemos a informação de que a Mata Atlântica sofreu o desmatamento de 29.075 ha, ou 290 Km2, um acréscimo de 57,7% em relação ao período anterior (2014-2015). A Mata Atlântica é um dos patrimônios nacionais protegidos pelo Constituição Federal. Talvez por isso o IBAMA tenha sido recentemente condenado pelo STJ em ação civil pública movida por ambientalistas em 2001. A Ação alega que o IBAMA autorizava planos de manejo na Mata Atlântica com espécies ameaçadas de extinção sem observância de qualquer critério técnico.

Defensores do Acordo de Paris alegam que mesmo que não haja como forçar os países a cumprir seus planos climáticos nacionais, seu cumprimento será controlado e cobrado pela sociedade civil. Depois de Paris as contribuições nacionais deixam de ser “pretendidas” e passaram a ser contribuições nacionalmente determinadas. No Brasil, os dados atuais da Mata Atlântica nos mostram quão efetiva se mostra essa determinação.

Após a aprovação pelo Congresso Nacional, o Brasil concluiu, em 12 de setembro de 2016, o processo de ratificação do Acordo de Paris. Para isso, o país se compromete a aumentar a participação de bioenergia sustentável na sua matriz energética para aproximadamente 18% até 2030, restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas, bem como alcançar uma participação estimada de 45% de energias renováveis na composição da matriz energética em 2030. Estranhamente esse é o mesmo Brasil que também se recusa a cumprir a lei 12.651 de 2012, a Lei de Proteção da Vegetação Nativa, não disponibilizando à sociedade o Programa de Regularização Ambiental (PRA), contrariando assim de forma objetiva seu artigo 59, e até o momento não emitiu qualquer sinal de que implantará o Programa de apoio e incentivo a conservação do meio ambiente, igualmente previsto na lei 12.651 (Art. 41).

Não obstante o quadro acima destacado, em relação a decisão de Trump sobre o Acordo de Paris, o atual Governo Michel Temer emitiu nota dizendo que “recebeu com profunda preocupação e decepção” a decisão da Casa Branca. “Preocupa-nos o impacto negativo de tal decisão no diálogo e cooperação multilaterais para o enfrentamento de desafios globais”, diz a nota do Ministério de Relações Exteriores brasileiro. Essa nota do governo brasileiro é emitida no mesmo momento em que unidades de conservação da natureza são atacadas, com propostas de redução de área editadas por Medidas Provisórias.

Nada desse insólito quadro justifica ou legitima a decisão do governo Trump, mas mostra que, ao contrário dos comentários que circulam na imprensa e redes sociais, Donald não está sozinho. A falência da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima é uma produção coletiva; todos, na medida do possível e conforme o caso, se esforçaram para não cumprir metas. Ilusório achar que no caráter não vinculante da convenção resida o problema. O Brasil das leis que “não pegam” mostra que o problema é bem maior. Enquanto insistimos em acordos em que cada um faz o que quer – o planeta torra. Nesse modelo colocar a culpa no planeta talvez seja uma saída coerente.


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