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25
jan
2016

Proteção de tartarugas urbanas assegura qualidade de vida em João Pessoa

Autor: Heloisa Bio
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Heloisa Bio, para Rede de ONGs da Mata Atlântica

Janeiro de 2016, uma ocorrência na praia do Bessa, em João Pessoa, surpreende pela diferença de interesses entre a preservação do meio ambiente local e o crescimento desordenado em grandes cidades. Ao fazer uma caminhada pela praia, onde vive numa casa de frente para o mar, a moradora Fátima Ximenes notou a construção de um muro de tijolos sobre a área de restinga do Bessa e resolveu questionar a situação com os trabalhadores. O conflito teve início, quando Fátima afirmou sobre a irregularidade da obra, um pedaço do muro foi quebrado, e a polícia acionada. Em poucos minutos, a moradora foi levada à delegacia e precisou do apoio das ONGs locais, como a APAN – Associação Paraibana dos Amigos da Natureza e a Guajiru, para poder retornar à sua casa.

Há construções irregulares avançando sobre a areia da praia, a exemplo desta obra de um novo hotel de alto padrão, que cruzam o limite da área de marinha entre o fim dos imóveis e o mar. O mais inusitado, porém, é que esta é a única praia urbana do país com o fenômeno de desova de tartarugas de pente, que cavam seus ninhos na areia, há poucos metros das casas e hotéis da orla. A distância entre o muro do hotel e de dois ninhos protegidos pela ONG Guajiru representa grande ameaça ao processo natural no local.

“Em poucas horas haviam subido o muro e quando vi, disse que não sairia dali até a chegada da polícia ambiental. Já havia protocolado uma denúncia na SEMAM – Secretaria Municipal de Meio Ambiente, mas fiquei espantada em como o empreendimento agiu e acabei sendo tratada como infratora”, conta Fátima. A alta importância ambiental da área impõe inclusive maiores restrições à ocupação humana, conforme a espécie ameaçada é sensível a efeitos de iluminação, barulho ou movimentação.

São cerca de 7 quilômetros de praia com monitoramento da área utilizada pelas tartarugas e hoje, de fato, há menos ocupações irregulares que no passado, conforme a prefeitura já determinou a derrubada das construções que invadiam a faixa de areia protegida. Mas os efeitos do crescimento no contexto urbano mostram-se presentes no cotidiano da praia, com projetos como o de implantação da ciclovia e da área para pedestres, interrompidos por decisão da justiça.

À espera dos filhotes

O nível de relevância mundial do processo de desova das tartarugas de pente – a espécie nada por oceanos de todo o planeta e só uma vez por ano chega à mesma praia para depositar os ovos – já é também um orgulho para boa parte da população pessoense. O dia da abertura dos ninhos é inclusive anunciado com antecedência na cidade e a população costuma assistir em peso à abertura dos ovos, seguida da corrida das pequenas tartarugas para o mar. Uma vez tocadas pela beleza da cena natural, dificilmente as pessoas não se aliam à ideia de defesa da espécie e a importância da conscientização ambiental na região.

Já o conflito entre preservação e desenvolvimento é parte do dia a dia da vida na cidade e, segundo Rita Mascarenhas, bióloga e fundadora da ONG Guajiru, décadas de urbanização da orla levariam as tartarugas da praia do Bessa a desaparecer nas condições atuais, caso não houvesse a intervenção dos técnicos e voluntários. “Nas praias ocupadas, sem a vegetação de restinga, elas já sumiram, e como a cidade é muito iluminada, quando os filhotes saem dos ovos seguem em direção à luz vizinha e não rumo ao mar”, revela.

Assim, a equipe da Guajiru faz a chamada “cesariana de areia”, em que identificam os ninhos cavados pelas mães durante a madrugada (as tartarugas mães não são vistas e sim os seus rastros), monitoram os ovos e agendam uma data para tirá-los do ninho e permitir a caminhada dos filhotes ao mar, durante o dia quando não se vê a iluminação da orla.

Tartarugas de pente são seres pré-históricos com características especiais como a de guardarem na memória seu local de nascimento, como um “GPS” que localiza a área, e retornarem todos os anos para a mesma praia, onde depositam seus ovos. Mas isso só ocorre aos 30 anos, quando se tornam adultas, e o mais interessante é que a cada 1 mil filhotes nascidos somente 1 ou 2 sobreviverão como adultos.

Apesar das tartarugas de pente serem criticamente ameaçadas no mundo, os números da atuação da Guajiru permitem ter uma visão positiva do destino da espécie: desde 2002, mais de 160 mil filhotes já foram salvos e cerca de 1,2 mil ninhos protegidos. “Também calculamos ter feito mais de 12 mil palestras, pois sem o envolvimento da população a conservação da espécie é inviável”, diz Rita.

Por trás desse trabalho está a garantia do próprio bem-estar humano, pois pessoas que vivem em cidades têm as espécies animais como aliadas do meio ambiente. No caso das tartarugas urbanas, os serviços prestados vão da matéria orgânica que representam para a praia – na forma de cascas de ovos e filhotes como alimentos para marias-farinhas e invertebrados, por exemplo – a seu papel na manutenção da cadeia alimentar que sustenta a vegetação de restinga e a própria vida no ambiente costeiro.

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Palestras da ONG Guajiru para a população

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Membros da APAN e Sea Shepherd visitam área com construção irregular

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Hoteis avançam sobre a restinga na praia do Bessa, em João Pessoa.

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Henrique dos Santos, voluntário da Guajiru, protege ninho de tartaruga de pente

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Frente da casa da moradora Fátima Ximenes na praia do Bessa: cuidados com a restinga nativa

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Fátima Ximenes, moradora e defensora da natureza local.


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